O levantamento da flora catarinense é, sem dúvida, a mais formidável contribuição do padre e botânico Raulino Reitz. Durante 14 anos, ele e mais dois botânico realizaram mais de mil excursões por todas as regiões de Santa Catarina e, com isso, propiciaram o estudo, catalogação e conhecimento da riqueza vegetal presente no estado.
O escritor Aloisius Carlos Lauth, que lançará dois livros sobre o botânico, conta que Reitz tinha curiosidade pelas plantas desde a época do seminário em São Leopoldo (RS). Às vezes, os padres mandavam os seminaristas colher chás, ervas e outras plantas medicinais que eram entregues ao Presídio de Porto Alegre.
Em uma de suas idas à capital, Reitz conheceu Leopoldo Zimmermann, que o apresentou à sua coleção de orquídeas. O homem deu algumas de presente ao aspirante a padre, mas como não tinha onde deixar, entregou-as ao irmão Afonso no seminário de Azambuja.
Reitz não tinha noção, mas nascia ali um desejo que resultaria em um grande feito. Nas saídas a campo para colher plantas, Reitz passou a carregar consigo uma câmera fotográfica para registrar as espécies e também a levar partes de plantas e guardá-las entre as folhas dos cadernos.
O seminarista ficou curioso para saber os nomes científicos e locais de origem das plantas. Assim, ele passou a colecionar espécies desidratadas e catalogadas, que comporiam um pequeno herbário.
Reitz chamou o pequeno herbário de ‘Barbosa Rodrigues’, em homenagem a João Barbosa Rodrigues, importante engenheiro, botânico e naturalista. A minicoleção o acompanharia dali em diante, até mesmo quando era enviado a trabalho a uma paróquia distante no Sul do estado
Estações da malária
O trabalho de combate à malária feito com estações de estudo deu origem também ao levantamento da flora catarinense. Durante o tempo em que o trabalho perdurou, a equipe, liderada por Reitz, colheu e determinou 52 espécies de bromélias existentes em Santa Catarina.
Além disso, aponta Lauth, foram classificadas seis novas espécies de bromélias e centenas de variedades, que eram desconhecidas da ciência botânica. A equipe também colheu e classificou centenas de árvores, arbustos e cipós que formam a floresta catarinense, publicadas depois em livros e revistas.
Plano de coleta de plantas
Após o flagelo da malária, no fim de 1951, padre Raulino Reitz decidiu organizar a coleta de forma organizada e metodológica das florestas no estado. Para isso, ele ampliou e aperfeiçoou o sistema com estações de estudos que havia usado anos antes.
Lauth descreve o plano de Reitz, que tinha três pontos principais. O primeiro era que as coletas deveriam representar amostras típicas da flora local e regional. Essa análise deveria levar em conta o tipo de solo: úmidos, médios e xeromorfos.
O botânico também definiu que as estações deveriam ter acesso facilitado, para que fossem visitadas em todas as estações meteorológicas, inclusive a coleta de flores, frutos e sementes.
Por fim, Reitz também definiu que a estação tinha de permitir a coleta de plantas com os melhores resultados no menor tempo possível e consumindo menos recursos.
O plano foi testado com duas estações de estudo em Laguna, no Sul do estado. Reitz foi convidado por José Carlos de Mattos Barbosa, executor do Acordo Florestal em Santa Catarina para levantar a flora local.
Divisões dos pontos de coleta
Segundo Lauth, o plano se mostrou eficaz, por isso Reitz o ampliou. Santa Catarina foi dividida em 65 pontos de coletam que seriam aumentados a cada excursão às zonas fitogeográficas.
Ao final, haviam percorrido 180 estações de estudos, cada uma com 1 quilômetro quadrado de área. O levantamento foi terminado em 1964, ou seja, 14 anos depois de iniciado.
Em suas pesquisas sobre a vida do botânico e padre, Lauth verificou que as coletas de Reitz geraram 65.354 exemplares. No fim do trabalho, Reitz disse que havia “dominado a floresta”.
Trio com ligações internacionais
O trabalho de coleta de Reitz não foi feito sozinho. Teve a participação fundamental de Lyman Smith, botânico americano formado na Universidade de Harvard que se dedicou à taxonomia de vegetais, e do botânico Roberto Miguel Klein.
Lyman tornara-se amigo de Reitz, pois os dois haviam se conhecido no Congresso de Tucuman (Argentina) em 1946. Lauth avalia que a presença dele é fundamental no levantamento da flora catarinense, pois o americano conseguia recursos para as excursões junto às universidades nos Estados Unidos.
Klein também era botânico e estudou no seminário em São Leopoldo. Depois fez doutorado em botânica pela Universidade de São Paulo (USP). Ele chefiou a equipe do Ministério da Saúde em Brusque para o controle da malária.
Os três fizeram mais de mil excursões por Santa Catarina, com a participação de outras pessoas. Estiveram, por exemplo, no campo dos padres, entre outros locais.
Estudos internacionais
Todo o material coletado pelos três serviu de intercâmbio internacional entre 1942 e 1996. Lauth afirma que o Herbário ‘Barbosa Rodrigues’, para onde as espécies eram enviadas e catalogadas, atingiu 222 centros de pesquisa associados, de vários cantos do planeta.
Botânicos de diversos países analisaram as plantas de Santa Catarina e, assim, classificaram 90% da flora catarinense. Os estudos com esses resultados foram publicados na revista ‘Sellowia’ e na enciclopédia ‘Flora Ilustrada Catarinense’. Muitas espécies de plantas guardadas hoje não são mais encontradas na natureza pelo avanço das cidades. Procura-se uma flor de adália desaparecida dos jardins de Azambuja.
Herbário Barbosa Rodrigues mantém legado
Desde o seminário, padre Reitz mantinha o herbário pessoal. Mas a coleção já estava grande e era necessário um local apropriado. No fim da década de 1940, ele foi enviado para ser professor no Seminário de Azambuja, mas deixou o material na antiga paróquia de Itajaí.
O prefeito Paulo Bauer, ciente da necessidade, concedeu um terreno no Centro. Antes de construir o prédio, em 1953, Reitz criou a Sociedade Civil Herbário Barbosa Rodrigues.
O herbário Barbosa Rodrigues existe até hoje. A entidade sem fins lucrativos abriga cerca de 95% dos vegetais de Santa Catarina, o que significa que acumula 70 mil plantas desidratadas.
A riqueza da flora guardada no herbário é gigantesca, pois pode gerar conhecimento científico nas pesquisas atuais para fármacos, alimentação humana e animal, desenvolvimento de frutas e verduras, perfumarias, além de melhores e mais bonitas flores que enfeitam nossos jardins. O herbário atende ao público, especialmente os pesquisadores, sempre com agendamento.