Raulino Reitz, o padre e botânico que marcou as ciências naturais brasileiras, foi fundamental para o enfrentamento da epidemia de malária que assolou Brusque nos anos 1940. Tendo estudado nos Estados Unidos da América, Reitz empregou um estudo científico para determinar se as bromélias eram as causadoras do malefício.

Aloisius Carlos Lauth, que escreveu o livro “Flagelo da malária em Brusque”, lembra que algumas pessoas de sua família trabalhavam na Fábrica de Tecidos Carlos Renaux e contavam que em alguns dias quase não era possível tocar o serviço de produção da fábrica porque muita gente faltava em decorrência da malária. Essa situação despertou a curiosidade do pesquisador, que conviveu com Raulino Reitz.

A epidemia

O Brasil sofria com a malária desde a época do Império. O governo central tentou vários métodos para frear a doença, mas ela continuava a atingir grande parte da população em todas as regiões.

Em 1941, o presidente Getúlio Vargas criou o Serviço Nacional da Malária (SNM), que visava o enfrentamento à doença nos rincões do país. No início dos anos 40, Brusque já era afetada pelo vírus.

O clima quente e úmido era propício para que a doença fosse transmitida pelo mosquito. O Seminário de Azambuja, apesar da proximidade com o hospital, não escapou.

Em maio de 1941, as freiras da Divina Providência, que trabalhavam na Santa Casa de Misericórdia, alertaram o reitor para o problema. Em carta, ele sentenciou ao arcebispo: “a malária é o flagelo do seminário”.

Padre Eder Celva diz que, naquela época, havia dias em que a maioria dos seminaristas estava doente e não havia nem sequer quórum para a realização das aulas.

Em 1942, as irmãs da Divina Providência voltaram a chamar a atenção para o problema. “Nunca tivemos tantos casos de malária [no Seminário] como neste ano. Foi simplesmente assustador”.

Ainda no mesmo ano, a doença infecciosa grassou pela população brusquense. Na fábrica Renaux, por exemplo, máquinas de fiação e tecelagem chegaram a ficar totalmente paradas porque não havia quem as operasse. Os funcionários estavam doentes, em casa.

No inverno daquele ano, escreve Lauth, estima-se que cerca de 40%, ou seja, quatro a cada dez dos tecelões e fiandeiros faltavam devido à malária de forma intermitente ou periódica.

Apesar dos esforços das autoridades de Saúde da República e do município, a malária continuava a circular entre a população. Tanto que em 1944 a febre já havia atacado entre 60% e 70% dos habitantes de Brusque.

Lauth pesquisou e constatou que, neste mesmo ano, 45% dos 126 seminaristas tinham no sangue o parasita da malária, de acordo com os exames realizados no posto do Serviço Nacional da Malária no centro do município.

Reitz adoece

Ainda em 1944, Raulino Reitz preparava-se para a sua ordenação e saiu em um retiro espiritual, acompanhado do arcebispo Dom Joaquim Domingues de Oliveira, de Florianópolis. Ele adoeceu infectado pela malária e ficou três dias internado no hospital. Essa situação, além do contexto no seminário e no país, fez pressão sobre as autoridades políticas e religiosas para tomarem providências.

Reitz é recomendado pelos americanos para o governo brasileiro

A situação da malária era muito grave em Brusque, por isso o município solicitou ao governo federal a instalação de um posto do Serviço Nacional da Malária na cidade, o que foi atendido.

Naquela época, acreditava-se que a malária era causada pela presença das bromélias, porque essas acumulam água. Para atacar a raiz do problema, o Ministério da Saúde resolveu bancar um estudo sobre o assunto e para isso buscou um botânico americano do Instituto Smithsonian, de Washington (EUA).

Entretanto, acabaram surpreendidos porque os americanos indicaram Raulino Reitz como botânico capacitado para a tarefa. O motivo da indicação era simples: Lyman Smith era o curador da entidade e já havia se encontrado com catarinense em um congresso na Argentina.

Dali em diante, mantiveram contatos por serem da mesma área. A amizade dos dois, que duraria uma vida inteira, fez com que o padre fosse lembrado para o governo brasileiro.

Reitz foi oficialmente convidado para integrar a equipe da malária em Brusque, mas não pôde assumir porque o arcebispo não o liberou. Ainda assim, trabalhou voluntariamente.

Além de ser fascinado pelas plantas, Reitz explicaria mais tarde o porquê da sua dedicação: ele fora vítima da malária desde criança e viu de perto pessoas adoeceram por causa da enfermidade, por isso era uma questão pessoal.

Visita da comitiva do Ministério da Saúde a Brusque | Foto: Acervo Aloisius Carlos Lauth

Estudo

O trabalho foi coordenado por Roberto Miguel Klein, colega de Reitz dos tempos do seminário em São Leopoldo (RS) que também o acompanharia por toda a vida. Para determinar se as bromélias eram causadoras da doença, a equipe estabeleceu seis estações de estudos.

Cada estação ficava em uma localidade, escolhida devido à presença de espécies de bromélias. Os locais selecionados foram: Ribeirão do Ouro, Maluche, São Pedro, Müller (Limeira), Azambuja e Fazenda Hoffmann (RPPN Chácara Edith).

Periodicamente, a equipe de técnicos ia aos locais para coletar amostras da água. Assim, eles comparavam a presença de larvas nas plantas. Em 1952, as atividades de campo foram encerradas.

Em seu livro, Lauth escreve que o estudo com base científica de Klein e Reitz teve uma conclusão importante: as bromélias não eram as causadoras exclusivas da malária. Acabar com elas, portanto, não resolveria o problema por completo.

Assim, a equipe do SNM também concluiu que o desmatamento era uma boa medida para enfrentar a doença.

Cidades são devastadas para enfrentar a malária

O estudo do SNM concluiu por desmatar os arredores das cidades, a uma distância mínima de 100 metros das casas, pois aí o mosquito transmissor não alcançaria.

Lauth explica que essa recomendação levou Azambuja, Brusque e todas as cidades da região a serem “peladas”. Os topos dos morros foram devastados em nome do combate à enfermidade.

O autor traz a informação de que uma área de mais de 11,5 milhões de metros quadrados foi desmatada, ao custo de 2,1 milhões de cruzeiros, só em Brusque.

Outra ação adotada pelas autoridades de saúde foi a retirada manual das bromélias. Além disso, o SNM passou a aplicar herbicidas nas matas, com pulverizadores.

Registro de 1948 dos morros de Azambuja, que haviam sido desmatados para combater a malária | Foto: Acervo Aloisius Carlos Lauth

Wilson Moreli, da Chácara Edith, lembra que na época pequenos aviões sobrevoaram Brusque para jogar herbicidas e o pesticida DDT. A um custo ambiental alto, a malária foi combatida e controlada.

Os morros, pelados, passaram a sofrer com a erosão, e o rio Itajaí-Mirim iniciou o assoreamento do leito e perdeu seu curso natural.

Ciente disso, o SNM sugeriu medida que visava minimizar as consequências. O órgão assinou o Acordo Florestal de Santa Catarina para a criação de hortos florestais em Blumenau, Brusque e Itajaí.

Os hortos tinham a tarefa de produzir mudas de árvores para reflorestamento. Nessa época, foram introduzidas espécies exóticas, como o pinus australiano e o eucalipto, conforme Lauth.

Em 1983, Padre Reitz escreveu com satisfação que via as novas gerações crescerem sadias e fortes no mesmo lugar onde décadas antes muitos adoeciam da malária.