A iguaria não pode faltar na mesa dos moradores da região, especialmente em Brusque, terra consagrada como um dos redutos da cuca no mundo.

A história do doce despertou a curiosidade da jornalista Daniela Matthes, de 31 anos, moradora de Blumenau.

Em sua dissertação de mestrado em Desenvolvimento Regional pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Furb, ela apostou no tema “Patrimônio Cultural e Desenvolvimento no Território: a Cuca (Kuchen) como elemento emblemático no Médio Vale do Itajaí (SC)”.

O objetivo de Daniela é continuar o trabalho no doutorado, comparando o Médio Vale com outras regiões colonizadas por alemães e indo até a Alemanha, além de observar as transformações por quais passou no último século e meio.

Receita vinda na memória
A cuca chegou na região junto com os primeiros imigrantes alemães, em meados do século 19. As mulheres trouxeram esse “modo de fazer” na memória e em livros de receita, no caso das famílias com mais recursos financeiros.

No trabalho acadêmico, concluiu-se que existiam dois “centros” (stadplatz) na região: um em Blumenau e outro em Brusque. Apesar dos dois serem colônias diferentes, o modelo de ocupação e colonização foi semelhante.

De acordo com relatos e o que já foi escrito sobre o tema, especialmente nas obras da professora brusquense Giralda Seyferth, não houve uma cidade específica onde ocorreu a difusão da cuca.

Mesmo na Alemanha não há consenso da região que “criou” a cuca. Até porque, à época não era a Alemanha propriamente dita, já que a unificação aconteceu apenas em 1891.

“Até agora não encontramos indícios de que imigrantes oriundos de algum estado específico tenham trazido a receita. Ao que consta, já era uma receita muito difundida em toda aquela região. Tanto que há cuca em lugares daquela região que hoje pertencem a outros países, como a Polônia”, explica Daniela.

Servida em datas especiais
Na Alemanha a cuca tinha um papel importante à mesa. Era uma comida que simbolizava a comunhão, união da família e da comunidade em que se estava inserida. Esse caráter continuou pela região por muito tempo.

Até as primeiras décadas do século 20, quando o Médio Vale passava por transformações mais profundas no modo de vida e de desenvolvimento, a cuca era servida apenas em datas muito específicas: Natal, Páscoa, Dia do Espírito Santo e, eventualmente, no aniversário de alguém muito importante para a família, como o patriarca.

Registro de uma confraternização com cucas no início dos anos 40; foto provavelmente feita na Sociedade Esportiva Bandeirante ou no campo do Carlos Renaux; à mesa, Augusto Bauer numa ponta, Sophia Bauer e Ida Renaux na outra / Foto: Acervo Maria Luiza Renaux

No Natal, a cuca era feita com alguns dias de antecedência, pois demorava a ficar pronta. Era servida apenas no dia 25, no café da manhã, para o núcleo familiar, e no café da tarde para as visitas. A iguaria ficou restrita a essas datas por conta da dificuldade de acesso aos ingredientes.

“Há relatos de famílias que adaptavam a receita, usando farinha de milho, banha e melaço, por exemplo, para substituir a farinha de trigo, manteiga e o açúcar branco”, relata a mestranda.

Quando os colonos conseguiram se estabelecer na região, construindo casas com cozinhas mais equipadas, as mulheres puderam aplicar todo o conhecimento que tinham trazido consigo. Elas são, inclusive, as grandes responsáveis pelo sistema alimentar da época.

Momento de comunhão
A cuca tem como característica ser consumida em confraternizações. Daniela acredita que exista uma relação com a tradição trazida pelos imigrantes, por ser um alimento que simboliza a comunhão coletiva.

“De alguma forma isso permaneceu no inconsciente coletivo e a tradição se manteve. Mesmo que hoje a cuca não seja mais consumida exclusivamente no Natal, como antigamente, mas também até no coffee break da empresa, a questão da coletividade em torno dela se mantém. Raras vezes a gente vê alguém sozinho comendo um pedaço de cuca na padaria, por exemplo”.