Na noite de 24 de março de 2015, os brusquenses foram dormir com a notícia de que o prefeito, Paulo Eccel (PT) e o vice, Evandro de Farias, o Farinha (PP), tiveram seus mandatos cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Paulo e Farinha foram acusados de abuso de poder econômico e político durante a eleição de 2012, por aplicação indevida de verbas publicitárias da prefeitura naquele ano. A denúncia, que culminou com a cassação dos mandatos do prefeito e vice de Brusque, partiu da coligação “A Força do Povo”, do ex-prefeito e então candidato, Ciro Roza.
O julgamento ocorreu em Brasília após vários adiamentos e, naquela noite, de forma unânime, os ministros mudaram os rumos da política na cidade. Eccel e Farinha tentaram reverter a decisão. Entraram com recursos, mas a sentença só foi anulada em 2017, quando já não havia mais possibilidade de retorno aos cargos.
A partir da cassação, pairou sob a cidade uma nuvem de inseguranças.
Em 31 de março, o então presidente da Câmara de Vereadores, Roberto Prudêncio Neto (PSD), foi notificado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de que assumiria a Prefeitura de Brusque interinamente, por 30 dias, até a convocação de eleições indiretas.
Em seu lugar na presidência da Câmara, assumiu o vice-presidente, Jean Pirola (PP), que ficou com a missão de conduzir o processo eleitoral indireto no município.
Começa aí uma sequência de decisões judiciais que interferem diretamente na prefeitura e também no cenário político de Brusque.
A expectativa era que a cidade ficasse sob responsabilidade do prefeito interino Roberto Prudêncio durante 30 dias. Porém, às vésperas da eleição indireta, marcada para o dia 30 de abril, o TSE concedeu liminar a Eccel para suspender a eleição. Com isso, Prudêncio permaneceria na prefeitura até que o recurso do prefeito afastado fosse julgado.
A decisão que manteve a cassação de Eccel e Farinha veio somente em maio de 2016. Só então, o processo eleitoral indireto para a escolha do prefeito foi retomado. Iniciava, então, mais um imbróglio judicial.
Para nossa surpresa, o TSE deu a liminar suspendendo as eleições, e tivemos que dar o máximo de nós, porque não tinha uma data definida, eu não sabia até quando ficaria na prefeitura
Prudêncio era o candidato a prefeito e questionou a homologação da chapa que tinha José Luiz Cunha, o Bóca, que fora seu secretário de Turismo, como candidato. Acontece que o PP, na eleição que foi suspensa, apresentou o empresário Ingo Fischer como candidato, que três dias antes da data marcada para a eleição em 2015, retirou a candidatura.
Um ano depois, quando o processo eleitoral foi retomado, Jean Pirola, presidente da Câmara, aceitou a troca de candidatos, o que foi considerado ilegal pela chapa concorrente.
Foram várias impugnações e anulações de impugnação da chapa até a eleição. Bóca foi eleito pelos vereadores no dia 5 de junho de 2016 por 9 votos a 6, e tomou posse no mesmo dia.
A guerra judicial persistiu. Prudêncio chegou a ganhar liminar para voltar ao cargo de prefeito, reassumindo o gabinete com a presença da Polícia Militar. A liminar, entretanto, foi revertida pelo Tribunal de Justiça, devolvendo o cargo a Bóca.
A disputa judicial ainda durou mais alguns meses, até Prudêncio protocolar pedido de desistência do recurso que tramitava no Tribunal de Justiça.
Cinco anos depois do início da crise política municipal, a judicialização e a insegurança que refletiu naqueles quase dois anos em Brusque é vista como a principal dificuldade que a cidade enfrentou na época.
Prudêncio, que entrou na prefeitura para ficar interinamente 30 dias, até a realização da eleição, acabou ficando por pouco mais de um ano.
“Para nossa surpresa, o TSE deu a liminar suspendendo as eleições, e tivemos que dar o máximo de nós, porque não tinha uma data definida, eu não sabia até quando ficaria na prefeitura. Decidi tocar a prefeitura cada dia como se fosse o último”, diz.
Para ele, se a eleição tivesse sido realizada dentro daqueles 30 dias, logo após a cassação, a cidade não sentiria tanto os problemas gerados pelas trocas de prefeito. “Seria muito mais seguro para executar o planejamento. A insegurança jurídica acabou gerando uma crise política”, afirma.
Prudêncio classifica o período como traumático para a população. “Mudar três vezes de prefeito em um mandato acabou gerando uma incerteza na população, nos funcionários da prefeitura, nas metas programadas, nas obras em andamento. Muitas dessas obras foram concluídas só agora na gestão do Dr. Jonas, e muitas delas ainda nem foram executadas”.
Foi um período problemático. A insegurança jurídica trouxe insegurança política, que gerou uma insegurança administrativa, financeira, o município perdeu muito, pois não sabia se o prefeito continuaria no cargo
Responsável por conduzir a eleição indireta, Jean Pirola também destaca os problemas causados à cidade pela insegurança daquela época. “Foi um período problemático. A insegurança jurídica trouxe insegurança política, que gerou uma insegurança administrativa, financeira, o município perdeu muito, pois não sabia se o prefeito continuaria no cargo. A população que pagou a conta”.
Para ele, a cidade só se recuperou do baque após a eleição de Jonas Paegle. “Em dois anos tivemos poucas obras. É possível ver a diferença com essa administração agora que está concluindo o mandato. A cidade voltou a ter uma garantia jurídico-administrativo-financeira”.
Bóca Cunha, que administrou a cidade de 6 de junho a 31 de dezembro de 2016, lembra ainda de outra dificuldade durante o seu mandato: o período eleitoral. Nos seis meses que ficou à frente da prefeitura, Cunha teve limitações financeiras.
“Eu passei muita dificuldade, porque a grande receita do município é no primeiro semestre, além disso, tinha o período eleitoral, com muitas limitações e o fechamento de contas de todos os prefeitos que me antecederam no mandato”.
Halisson Habitzreuter, presidente da Associação Empresarial de Brusque (Acibr) na época, ressalta o impacto que as sucessivas trocas no comando da prefeitura causaram no desenvolvimento da cidade.
“O Roberto, por exemplo, não podia tomar decisões a longo prazo, porque não sabia até quando ficaria. Depois o Bóca entrou já no fim do mandato, não tinha como fazer muita coisa. Vejo que foi interrompido o desenvolvimento da cidade”.
Para Paulo Eccel, que foi absolvido em 2017 por decisão do ministro Ricardo Lewandowski, a cidade ainda não se recuperou dos prejuízos causados pela perda de seu mandato.
“Eu não consigo encontrar nesta crise o que veio de positivo para a cidade. Vejo várias obras sendo dada a ordem de serviço hoje, e que estava planejado no nosso governo. Muitas que iniciaram na nossa gestão ainda nem inauguradas foram. Grande parte dessas obras que estão dando início hoje, a previsão era de estarem concluídas ou em execução quando terminasse o mandato em 2016. Eu vejo que a cidade perdeu, parou no tempo, entristeceu”.
Além das interferências jurídicas, o período ficou marcado também por uma crise política. Após a suspensão da eleição, o cenário político local mudou. Aconteceram rupturas na base do governo interino que foram decisivas para a eleição de Bóca.
Pirola lembra que, de início, foi feito um acordo de lideranças para que Prudêncio fosse eleito o prefeito e, assim, os efeitos da cassação de Eccel fossem os mínimos possíveis na cidade.
Porém, após a suspensão da eleição, o cenário mudou. “Nesse bom tempo parado, houve rupturas do Roberto com a base. Ele não cumpriu a palavra que ele tinha, administrou a cidade de forma individual e isso colocou em cheque toda a base que ele tinha. Infelizmente, quando tem ruptura de palavras, compromissos dentro do Executivo, você perde a base”.
Prudêncio também avalia essa ruptura como fundamental para os rumos que a cidade tomou naquele período. “Alguns vereadores que estavam nos apoiando no início, já não nos apoiavam no final. Não estava mais contentando a todos. Cada um tem seus interesses e eu senti essa pressão bastante grande, principalmente dos partidos e vereadores. Além da crise jurídica tive que administrar a crise política. Com os votos deles, não consegui terminar o mandato, fechar o que tinha planejado e entregar a cidade da maneira que eu queria”, afirma.
Para ele, a ruptura política agravou ainda mais a crise no município. “O ego de algumas pessoas falou mais alto. Não identificaram a magnitude do trauma que poderia causar no município. A união de forças foi forte e necessária no início, mas no final se rompeu. Cada um foi buscar seu espaço e isso prejudicou mais ainda”.
Apesar dos transtornos, Jean Pirola vê que a crise teve um reflexo positivo na cidade. Foi naquele período que o voto secreto na Câmara de Vereadores de Brusque foi abolido. Desde então, toda e qualquer votação na casa legislativa do município é por meio do voto aberto.
Outra mudança para a cidade foi que a Câmara, naquela época, excluiu da Lei Orgânica do município a possibilidade de eleição indireta, como ocorreu em 2016. “Quebramos essa corrente. Toda e qualquer votação hoje em Brusque sempre será feita de forma direta, pela população”.
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