A década de 1950 foi marcada pelo conflito de patrões e operários têxteis em Brusque. São 37 dias de uma greve que transforma o município e repercute nacionalmente. Os trabalhadores das três grandes indústrias têxteis, Renaux, Buettner e Schlösser, e alguns operários de empresas menores, cruzam os braços no dia 19 de dezembro de 1952, reivindicando o pagamento de reajuste salarial.
O descontentamento dos operários vinha desde o início do ano, quando, em assembleia no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Fiação e Tecelagem, decidiu-se por um reajuste de 60% nos salários.
Os patrões, entretanto, consideram o percentual impossível de ser repassado aos operários. A questão trabalhista foi parar no Tribunal Superior do Trabalho, em Porto Alegre, o qual decidiu que o reajuste seria de 7,1%, e deveria ser pago a partir de junho de 1952 até 19 de dezembro, o que não ocorreu.
Em pouco tempo, toda a categoria adere à paralisação, bem à véspera do natal. Durante 37 dias, 4 mil operários participaram da greve
O historiador Aloisius Lauth conta que a greve começou como um mal-entendido e, rapidamente, tomou conta de Brusque. Às 18h, na parada do lanche, os trabalhadores se reuniam em frente à Fábrica Renaux para conversar. Naquele dia, o assunto foi a falta de pagamento do reajuste. Quando toca a sirene para o retorno ao trabalho, os operários continuam discutindo. Voltam para seus postos com alguma resistência, lentamente.
“Quem está à frente nos portões da fábrica leva essa notícia para a Schlösser e para a Buettner. No dia seguinte, às 5h, o pessoal que está na Schlösser e na Buettner paralisa o expediente porque tinha entendido que a Fábrica Renaux estava parando. E na Renaux, aqueles são surpreendidos com a informação de greve na Schlösser e na Buettner, e que o movimento paredista teria nascido ali dentro”.
Em pouco tempo, toda a categoria adere à paralisação, bem à véspera do natal. Durante 37 dias, 4 mil operários participaram da greve.
O movimento mexeu com toda a cidade que, na época, era movida pela indústria têxtil. A cada dia, a greve ganhava novos rumos. Aqueles que não queriam participar eram impedidos de entrar nas fábricas pelos piquetes que se formavam em frente aos portões. Caminhões com matéria-prima também eram impedidos de circular.
A greve adentrou o Natal e o Ano Novo com os operários de braços cruzados. Em janeiro, a classe patronal apresentou uma lista com as condições para os operários voltarem ao trabalho, mas não houve acordo.
A greve se prolongou mais do que o esperado. Como o operário ganhava salário por produção, os problemas financeiros começaram a aparecer dentro das casas. As famílias tinham muitos filhos, e começaram a sentir dificuldades. Sem produção, sem dinheiro, sem Natal e sem presentes. Agora até sem comida.
Alguns relataram as dificuldades daquele período na dissertação de mestrado do historiador Marlus Niebuhr, intitulada “Memória e Cotidiano do Operário Têxtil na cidade de Brusque: a greve de 1952”.
Em algum momento, os comerciantes se negaram a vender fiado para os operários, que não tinham pago a conta da ‘caderneta’ naquele mês – era comum anotar as compras no caderno do negociante. Também eles não conseguiam pagar seus fornecedores, estendendo a crise para outras cidades.
Grevistas organizaram, então, movimento para arrecadação de comida. Niebuhr relata na dissertação que os operários vão de carroças a Guabiruba, São Pedro, Cedrinho, onde os moradores doam galinhas, ovos, verduras e legumes para auxiliar as famílias carentes. As doações eram arrecadadas em nome da Festa de São Roque, mas todos sabiam qual era mesmo o objetivo real das doações: os grevistas, muitos deles moradores de Guabiruba.
De acordo com Niebuhr, essa era uma prática comum nos movimentos operários. Na greve dos trabalhadores têxteis de Blumenau, em 1950, por exemplo, também foi realizada uma campanha de arrecadação de alimentos.
O mês de janeiro já se encaminha para o final, sem indicação do retorno ao trabalho. A comissão montada pelo Sintrafite no início da greve para negociar com a classe patronal decidiu ir a Florianópolis conversar com o delegado regional do trabalho, mas não houve solução para o impasse. Ele garante que nenhum grevista seria demitido.
Quando a comissão retorna a Brusque, encontra o contingente da polícia de choque de Itajaí chegando à cidade. Os soldados fortemente armados, inclusive com uma metralhadora, estacionam nos portões das fábricas. O movimento assume caráter ofensivo à classe operária, que se empoleira nos barrancos do outro lado da Fábrica Renaux. Os patrões alegam que a presença deles é necessária para garantir a integridade do patrimônio da empresa.
À noite, os grevistas se retiram pacificamente. No dia 26 de janeiro, 37 dias depois do início do movimento, é realizada uma assembleia geral dos trabalhadores no Sintrafite para decidir oficialmente o fim da greve. Pressionados pela fome em casa, sem salários, os operários cedem, baixam a cabeça e lentamente retornam às salas de produção, narra Aloisius Lauth em seu livro “Sindicalismo em marcha”, de 2017.
A polícia forma cordões de isolamento e os caminhões com matéria-prima voltam a entrar. A produção da fiação e da tecelagem reinicia nas horas seguintes. Mas os salários atrasados daquele mês não foram pagos, ficando as contas dos negociantes em aberto.
A promessa de que não haveria demissões, entretanto, não foi honrada. Os operários líderes do movimento perderam seus postos de trabalho, a maioria teve que mudar-se para outras cidades para encontrar emprego, pois faziam parte da ‘lista negra’ do Departamento de Pessoal das fábricas.
Na edição de 14 de março de 1953, o jornal ‘O Rebate’ publicou na capa telegrama enviado pelo senador Carlos Gomes de Oliveira ao industrial Guilherme Renaux. Nele, o senador lamenta o fato de que os “industriais brusquenses estão despedindo operários em represália da greve”.
O senador observa que “os chefes das greves são em geral líderes que não se devem afastar, mas atrair, para conjugar esforços na produção e para harmonizar interesses. O movimento operário através de seus sindicatos é, em todo o mundo, irrefreável para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores”.
Nas edições seguintes, o jornal publica a longa resposta de Renaux ao senador. Ele afirma que “não houve, nem haverá represálias”.
“Quatro mil, aproximadamente, foram os operários que participaram da greve, embora a maioria não a desejasse.Vinte e um é o número exato dos que foram despedidos, não porque tenham feito o movimento, de si mesmo ilegal, mas pela indisciplina, pelo abuso de um direito, que se fosse líquido e certo, ainda assim se exercera abusivo e violentamente, contra outros direitos inadmissíveis do cidadão, assegurados pela letra constitucional”, disse o empresário.
Antes da greve, muito se falava na instalação de uma cooperativa de consumo em Brusque – mais tarde denominada Sesi – como uma das soluções para o fim da paralisação.
À época, o custo de vida estava cada vez mais alto corroído pela inflação, o que desestimulava os operários, que praticamente trabalhavam para sobreviver, sem direito a ganhos reais, nem à saúde e nem à educação profissional
A expectativa era de que a instalação da cooperativa, financiada pelo sindicato patronal, diminuísse o custo de vida da classe trabalhadora.
Dez dias antes do fim da greve, o jornal ‘O Rebate’ noticiou que o Sesi “vai instalar nesta cidade diversos postos para venda de gêneros de primeira necessidade aos operários”.
Na reportagem, o jornal explica que a ideia inicial era fundar uma cooperativa de consumo dos próprios trabalhadores da indústria, mas o armazém que o Sesi quer instalar “oferece mais vantagens aos consumidores, por isso fará a venda dos produtos pelo mesmo preço que é adquirido na fonte de produtos”.
De acordo com a reportagem, o abatimento no custo dos gêneros de primeira necessidade era estimado em 30% “que virá, forçosamente, influir no custo do orçamento doméstico dos operários”.
Na edição de 31 de janeiro de 1953, dias após o fim da greve, o jornal ‘O Rebate’ publicou uma entrevista com o industrial Roland Renaux, que informava que o Serviço Social da Indústria (Sesi) pretende construir na cidade um Centro Social, o primeiro do gênero em Santa Catarina.
“Consta essa grande obra social de um grande edifício, que será localizado em terreno amplo, para nele serem reunidos todos os serviços do Sesi – armazém de fornecimento de gêneros alimentícios, ensinamento de corte e costura, farmácia, gabinete dentário, escolas e tudo o que se relacionar com o programa de assistência aos operários”.
Segundo a reportagem, o valor da obra era estimado em cinco milhões de cruzeiros e o terreno seria doado pelos industriais de Brusque.
Dois meses depois, na edição do dia 21 de março de 1953, o Rebate publicou mais uma nota de capa, informando a inauguração do Armazém do Sesi em Brusque, que contou com a presença do presidente da entidade em Santa Catarina, Celso Ramos, futuro governador do estado. Foi o primeiro armazém de fornecimento de gêneros aos operários do estado, instalado na Pomerânia, ao lado da Fábrica Renaux.
Criado como a melhor solução para a crise trabalhista que marca Brusque nos anos 1950, o Sesi continua a fazer parte da história do município, contribuindo com o desenvolvimento social da cidade.
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