Correr para os supermercados para tentar garantir as compras antes do aumento dos preços era uma realidade durante toda a década de 1980 e a primeira metade dos anos 1990, não só em Brusque, mas em todo o país.
Nos supermercados, o remarcador de preços era uma das pessoas mais importantes dentro do estabelecimento, com a responsabilidade de atualizar os preços dos produtos a cada mudança.
A rotina era intensa: num mesmo dia, um produto pode mudar de preço várias vezes. A pessoa que vai ao supermercado de manhã, compra um item por um preço. Algumas horas depois, o produto já tem outro valor, e assim por diante. Ao fim do dia, muitas vezes, a mercadoria chega a ter várias etiquetas de preço diferentes, refletindo as mudanças ao longo das horas. Era uma agonia sem fim para o consumidor, cujo salário, ao contrário dos preços, não aumentava.
Presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Brusque em 1984 e 1985, o empresário Aliomar Luciano dos Santos lembra da intensa movimentação nos supermercados.
“Era uma loucura. Em cada corredor tinha duas ou três pessoas colocando os preços. Às vezes mudava mais de uma vez por dia, até com cinco etiquetas, uma em cima da outra”. Como a mudança de preços era comum em todo o país, as pessoas traçavam estratégias na tentativa de fazer o dinheiro render mais.
“Se chegasse antes do marcador, levava o produto por um valor. Quem chegava depois dos homens da maquininha, já pegava o mesmo produto com preço 40% até mesmo 100% maior. Os caixas obedeciam o que estava marcado na etiqueta. Muita gente usava isso como estratégia, ir mais cedo no mercado”.
Era uma loucura. Em cada corredor tinha duas ou três pessoas colocando os preços. Às vezes mudava mais de uma vez por dia, até com cinco etiquetas, uma em cima da outra
É neste período que surge o costume da compra do mês, utilizado até hoje pelas famílias brasileiras. Como o poder de compra dos trabalhadores era cada vez menor, quando recebiam o salário, a primeira coisa era ir ao mercado para fazer estoque.
Gerente de uma das lojas do Archer na época, Guido Sassi recorda que o trabalho era bastante difícil, pois era preciso muita agilidade para atualizar os valores das mercadorias. “Foi um tempo de muita dificuldade para todo mundo, se trabalhava muito e o povo também sofria com todas as mudanças”.
Os empresários também tiveram que se adaptar. “Se comprava uma mercadoria hoje o preço era um. Quando ela chegava, o preço já era outro, até colocar na loja para vender, o preço era outro. Isso dificultava a nossa vida, porque na época não tinha processos eletrônicos para administração, era tudo manual”, destaca o proprietário da Livraria Graf, Eleutério Graf, o Telo.
O empresário observa que a hiperinflação resultou em mudanças no comportamento do comércio. “Muita gente quebrou porque não tinha agilidade para remarcar. Isso também aconteceu porque vendiam a prazo e acabava não repondo o capital. Era uma situação bem complicada. A cabeça às vezes não acompanhava. Já economicamente era uma situação de agilidade”.
O ex-presidente da CDL lembra que quem trabalhava com estoque conseguiu minimizar os impactos dos sucessivos aumentos. “Quando o comerciante já estava acostumado, já previa o aumento da mercadoria no mês seguinte e já botava dentro do custo de forma antecipada. Quem estava bem de capital de giro, podia bancar porque sabia que em dois meses teria o custo no bolso. Quem perdeu foi a classe trabalhadora, porque o salário quando chegava na mão já vinha defasado em 15%, 20%, 30%, dependendo da inflação do mês”.
Auxiliar de gerente da agência da Caixa Econômica Federal de Brusque na época, Juvenal dos Santos lembra que na década de 1980, o Brasil convivia com uma inflação média de 235% ao ano, o que equivale a uma média de 7,4% ao mês.
“Se você tivesse em mãos Cr$ 1.000 ou guardasse por 30 dias sem aplicar no banco, no final desses 30 dias, o poder de compra ficaria equivalente a Cr$ 924. Então a maioria da população não tinha conta em banco, e esse público com dinheiro guardado era o que mais perdia em relação ao poder aquisitivo da moeda”, diz.
Luciano dos Santos lembra que, depois de alguns meses, os consumidores tinham a sensação de ter feito um bom negócio. “A pessoa comprava uma geladeira, uma televisão, três meses depois o preço já era muito diferente, o dobro, aí parecia que tinha levado de graça”.
Ao longo dos anos, foram lançados pelos governos seis planos econômicos como tentativas de controlar a inflação. O primeiro deles, é de 1986. Denominado de Plano Cruzado, foi lançado pelo então presidente José Sarney em 28 de fevereiro.
Sua medida mais importante foi o congelamento total de preços com base na estratégia de romper a inércia inflacionária, e a adoção de uma nova moeda, o cruzado, com três zeros a menos que o cruzeiro.
“O congelamento de preço provocou desabastecimento, faltava óleo de soja, material de limpeza e vários outros itens pois os preços subiam no atacado e não poderia ser repassado ao consumidor. Com isso, as empresas começaram a quebrar”, lembra Juvenal dos Santos.
A tentativa não deu certo e nos anos seguintes foram lançados outros três planos econômicos pelo governo Sarney, todos sem sucesso: Plano Cruzado 2, em novembro de 1986; Plano Bresser, em junho de 1987 e Plano Verão, em janeiro de 1989. Todos previam medidas para controlar a inflação, como o congelamento dos preços, aumento de impostos e reajustes. Sem sucesso. No fim de 1989, por exemplo, a inflação chega a 1.972%.
O país entra na década de 1990 com a economia ainda em desequilíbrio. Na eleição de 1989, Fernando Collor de Mello é eleito presidente e no dia seguinte à sua posse, em 16 de março, é lançado o Plano Brasil Novo, mais conhecido como Plano Collor.
O plano impõe uma nova troca da moeda, que volta a se chamar cruzeiro, sem corte de zeros. A principal medida do plano é o bloqueio de todos os depósitos bancários, inclusive da poupança, acima de 50 mil cruzados novos, com o objetivo de reduzir a demanda e o consumo. Os preços são congelados e os salários passam a ser corrigidos pela previsão de inflação do mês seguinte. As medidas só pioraram a situação da população.
Em janeiro de 1991, é lançado o Plano Collor 2, que traz de volta o congelamento de preços e o arrocho dos salários, além de medidas de incentivo à retomada da produção.
Menos de um mês depois, empresários e trabalhadores já demonstram grande insatisfação. No final do ano, a inflação já acumula 472%, com a economia estagnada. No ano seguinte o presidente sofre o impeachment e é substituído pelo vice Itamar Franco.
O dragão da inflação, como ficou conhecido, só foi dominado em 28 de fevereiro de 1994, quando foi implantado o Plano Real, em etapas.
Primeiro, foi feita a troca da moeda. O Cruzeiro perde três zeros e passa a se chamar Cruzeiro Real. No dia seguinte, entra em vigor a Unidade Real de Valor (URV), padrão monetário que era corrigido diariamente, no qual todos os preços passaram a ser convertidos. Esta fase de transição para adoção da nova moeda, o real, durou quatro meses.
O real começou a circular em 1º de julho, valendo 2.750 URVs e correspondendo a um dólar. A equipe, liderada por Fernando Henrique Cardoso, adota uma estratégia diferente para combater a escalada dos preços: aposta no alinhamento prévio dos preços antes da mudança da moeda, conseguindo derrubar a inflação e manter a situação sob controle a partir daí.
“Quando veio o Plano Real, houve uma ruptura total. Todos os comportamentos tiveram que ser modificados, adaptados a isso. Uma das coisas mais importantes, com a estabilidade, foi que a inflação cessou e você podia começar a comprar de novo, podia pesquisar, não precisa mais comprar no primeiro lugar. Agora podia comparar”, destaca Telo.
“Foi um período muito louco da nossa história, hoje a gente conta pros jovens, nem acreditam que tudo aconteceu daquele jeito. Mas a nossa região, Brusque, é pródiga, as pessoas têm consciência do valor do trabalho, que nada vem de graça. Acho que esse período serviu para deixar as pessoas mais conscientes”, avalia.
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