Em março de 1964, estava programada para acontecer no Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de Brusque uma conferência com o padre português Alípio de Freitas. Mas o evento, cercado de polêmicas, nunca aconteceu.

Militante da esquerda e vinculado a movimentos sociais e políticos, o padre foi impedido de entrar na sede do sindicato por estudantes e operários que se colocaram à frente do edifício.

À época, O Município narrou os fatos. De acordo com a reportagem, durante aquele dia, a cidade foi inundada com anúncios sobre a presença do sacerdote, convidando o povo para participar do evento no sindicato.

O padre estava impedido de rezar missas devido às suas convicções políticas e a sua presença na cidade irritou os estudantes, que lançaram um manifesto de protesto incitando a classe a se opor à realização do evento em Brusque.

“A hora da conferência foram, em grande número, para a frente do sindicato e lá se uniram aos operários que se opunham à cessão da sede do sindicato para fins políticos”, diz o artigo.

Às 20 horas, padre Alípio chegou ao local. Ao sair da kombi em que estava, foi advertido sobre o manifesto dos estudantes e operários que não o deixariam entrar. O jornal relata que um acompanhante do padre tentou sacar o revólver, mas foi impedido de fazê-lo por um homem que o segurou no braço.

Iniciou, então, uma briga generalizada, inclusive com o uso de pedras, guarda-chuvas e outros instrumentos de agressão e defesa. A confusão durou uma hora e meia e, segundo o jornal, poderia ter tido consequências mais graves.

“Operários que nos declararam que se tentassem ultrapassar a porta de entrada do sindicato, muitas mortes poderiam ocorrer, ali, naquele instante”.

Diante da confusão, a presidência do sindicato resolveu fechar as portas do edifício e não realizar o evento, considerado subversivo pelos estudantes e operários.

O movimento que impediu a conferência de padre Alípio em Brusque é gerado pelo medo que a cidade tinha da “ameaça comunista” que pairava sobre o Brasil. As reformas populistas propostas pelo presidente João Goulart, o Jango, eram encaradas como o início de um governo comunista.

Em Brusque, esse sentimento de invasão do comunismo na vida da cidade era visto como um prejuízo para todos

“Em Brusque, esse sentimento de invasão do comunismo na vida da cidade era visto como um prejuízo para todos. Primeiro para a vida do operário, ele não está afim do movimento comunista. O PTB, que era o partido do sindicato e dos trabalhadores, não aceita isso, embora fosse um partido de esquerda em relação ao PSD e UDN”, explica o historiador Aloisius Lauth.

A frente contra o comunismo em Brusque era fortalecida pela presença da igreja católica e o sindicato têxtil, que tinha uma pastoral católica forte junto aos operários.

O episódio com o padre Alípio ocorreu dias antes do golpe de estado no Brasil, em 31 de março e 1º de abril de 1964, que encerrou o mandato do presidente democraticamente eleito, João Goulart e instalou a ditadura militar, que foi até março de 1985.

“Todo mundo estava a favor da revolução em março de 1964. Poucos dias antes, o deputado Paulo Wright, do PSP, traz o padre Alípio. Os operários ficam sabendo do perfil dele e entendem que o padre vem fazer pregação comunista, por isso, decidem barrar a entrada dele no sindicato”, destaca Lauth.

Logo após o golpe de 1964, Brusque realiza a procissão da Família com Deus pela Liberdade no bairro Santa Terezinha. Há registro também de uma procissão católica em Azambuja para agradecer a proteção contra o perigo do comunismo.

Em 16 de maio de 1964, O Município traz uma entrevista com o capitão Osmar Jacobsen, do Exército Nacional, que era responsável por investigar a existência de atividades subversivas em Brusque.

Na entrevista, o capitão informou que durante as investigações em Blumenau surgiram nomes de várias pessoas que residiam em Brusque, bem como “ligações comprovadas de elementos reconhecidamente comunistas”, com pessoas da cidade. O militar citou o nome de Esaú Laus, que seria encarregado da fundação da célula do Partido Comunista em Brusque.

O capitão informou ao jornal que as atividades subversivas na cidade iniciaram em março de 1961, em uma reunião realizada em um bar. A reportagem questionou o militar sobre a existência de um Grupo dos Onze – organização nacionalista de esquerda criada por Leonel Brizola em 1963 – no município. O capitão afirmou que constatou “com surpresa a existência de um Grupo dos Onze aqui organizado”.

O militar disse ainda que os membros confirmaram participação no grupo, mas não foi constatada nenhuma atividade subversiva, apenas foram feitos os contatos iniciais. O capitão não revelou os nomes dos integrantes dos grupos à reportagem, apenas disse que cinco deles já prestaram depoimentos no inquérito, sendo a maioria jovens “aos quais faltou a necessária orientação e advertência de seus responsáveis”.

Após esta publicação, não houve mais registros ou menções ao Grupo dos Onze em Brusque em O Município.

O historiador Aloisius Lauth avalia que este momento conturbado do país e também no município, com forte medo do comunismo teve como consequência a formação de vários líderes.

Entre as lideranças formadas neste período, Lauth destaca Ovídio Paza, trabalhador da Fábrica Renaux, ele era ligado à Ação Operária Católica, enfrentando a entrada do comunismo na cidade. Durante o Golpe de 1964, foi delatado como líder sindical e mais tarde, em 1973, assume a presidência do sindicato, fazendo uma gestão inovadora, segundo o historiador.

Durante sua gestão foi criado o modelo de convenção coletiva de trabalho estabelecido atualmente. De acordo com Lauth, o pagamento de um salário mínimo para aposentados e pensionistas do INSS foi uma proposta de Paza, levada ao Congresso pelo deputado Jailson Barreto, onde foi aprovada.

Lauth lembra ainda de Inácio Mafra, brusquense líder estudantil que foi cassado pelo regime militar e anos depois reapareceu como líder sindical dos bancários em Blumenau, sendo vice-prefeito da cidade entre 1997 a 2004.

Além deles, o historiador destaca também o industrial Guilherme Renaux, um dos fundadores da Fiesc, que exerceu a presidência da entidade de 1961 a 1966. Foi por influência dele que foi construído o Centro de Treinamento Têxtil em Brusque, com o Laboratório de Fiação e Tecelagem (Lafite), que teve grande importância na transformação da indústria têxtil de Brusque e região.

“Essa crise no período de 1964 traz como resultado a formação de grandes líderes, de caminhos diferentes, mas importantes. Não tem uma escola de liderança, é no dia a dia que se forma e eles captam os anseios da população facilmente e transformam em ação política”, observa.


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