A história de Brusque passa por sua colonização, crescimento, industrialização, com grandes empresas que fizeram seu nome no berço da fiação catarinense. Porém, nem só disso é feita a memória da cidade: a culinária acompanhou todas essas mudanças, e também deixou sua marca nas lembranças dos brusquenses, que relembram com nostalgia os doces e pães das panificadoras que marcaram época.

A primeira confeitaria
Em outros tempos, em outra Brusque que hoje já não existe mais, havia um lugar no Centro da cidade que ninguém podia deixar de conhecer: a panificadora, confeitaria e restaurante Koehler, famosa pelas empadas e pelos doces produzidos pelo padeiro e proprietário, Alfredo Koehler.

A culinária já era uma tradição na família e as receitas da Koehler passavam de geração em geração. Tudo começou como um armazém, uma venda dos chamados “secos e molhados”, mas, tendo diversas receitas, Alfredo e a esposa começaram a produzir algumas coisas para vender.

O estabelecimento era bastante familiar – Alfredo cuidava da cozinha, e a esposa, Olga Zink Koehler, era responsável pela administração. Além deles, havia moças que ajudavam na produção, vindas de bairros distantes do Centro e de cidades próximas. Os filhos do padeiro, Jaqueline e Alfredo, relembram o carinho que existia entre a família e as funcionárias.

“Elas tinham um alojamento, o ‘quarto das moças’, eu sempre ia lá com elas quando era criança”, conta Jaqueline. “E todas as noites elas vinham para a nossa casa assistir a novela, na televisão em preto e branco que nós tínhamos.”

Confeitaria Koehler, na Conselheiro Rui Barbosa. | Arquivo Pessoal

Por muitos anos, a Confeitaria Koehler foi uma parada obrigatória para quem visitava Brusque. Na rua Conselheiro Rui Barbosa, a panificadora, confeitaria e restaurante famoso pelo strudel, pelas empadas e a torta holandesa recebeu a visita até de artistas de novela, como a vedete Wilsa Carla e as atrizes Lolita Rodrigues e Tonia Carrero, garota-propaganda da fábrica Buettner.

Koehler acredita que a fama da confeitaria aconteceu por ser a primeira de Brusque a produzir bolos e doces, e também pela qualidade dos produtos. “Era única e era familiar, a cidade toda se reunia na Koehler para tomar café depois da missa”, relembra. “Brusque era uma cidade romântica, as pessoas circulavam pelo Centro, os namoros aconteciam na praça, e as empresas traziam muita gente para cá.”

Os irmãos contam que, até hoje, as pessoas pedem as receitas das empadas, dos doces e tortas e das famosas balas Brusque, balinhas vermelhas de amendoim e açúcar que começaram a ser produzidas na confeitaria. “Mas não é a mesma coisa, embora sejam receitas que dá para fazer em casa, a matéria-prima não tem a mesma qualidade”, afirma Koehler.

Na época, Alfredo e Olga recebiam os produtos diretamente da colônia – os ovos eram embalados em folha de palha um a um para não quebrarem no transporte de carroça, a banha de porco em lata direto dos colonos, palmito natural. Além dos ingredientes, o forno era a lenha. “Isso é o que dava a qualidade e fazia a diferença”, diz Jaqueline.

“Era uma vida de muito trabalho, nossos pais abriram mão de muita coisa para se dedicarem à confeitaria”, diz a filha. “Eles tinham muito amor pelo que faziam.”

Jaqueline e Alfredo Koehler viveram a infância na confeitaria dos pais. | Natália Huf

O famoso café colonial
Era 1945 quando o padeiro Ricardo Wegner decidiu sair de seu emprego em uma panificadora e abrir seu próprio negócio. Ele trabalhava como padeiro há quase dez anos, mas, após o nascimento das três filhas, achou que era hora de percorrer – de bicicleta – as cidades próximas em busca de equipamentos e maquinários para panificação.

Na época, quando o processo de produção não era tão automatizado como hoje em dia, uma amassadeira de madeira, na qual a massa dos pães era trabalhada à mão, foi suficiente para dar início ao que seria a Panificadora Wegner, na avenida Primeiro de Maio. O padeiro comprou também carroças e começou a fazer e distribuir pães.

De carroça, levava pães para os bairros Cedro, Azambuja, Santa Luzia, e vendia para as pessoas em suas casas e para os pequenos mercadinhos. Assim, a produção foi aumentando, até que, em 1957, Wegner precisou fazer a compra da primeira amassadeira e cilindro elétricos, para sovar a massa.

A panificadora ia crescendo cada vez mais, atendendo mais pessoas, fazendo mais entregas, aumentando a produção diária. As carroças já não venciam – em 1962, o padeiro adquiriu uma caminhonete, para agilizar e facilitar as entregas diárias. O carro foi adquirido num leilão da Schlösser, e o padeiro viu a mobilidade e a produção subirem com a velocidade, que permitiu também aumentar a área de entregas para a região do Vale do Itajaí-Mirim.

Kombi de entregas da padaria Wegner na década de 1980. À esquerda, o padeiro José Neves Fagundes. | Arquivo Pessoal

Na época, ainda trabalhando apenas com entregas e vendas a domicílio, surgiu a primeira ideia para a instalação de um balcão na padaria, que iria começar a atender no próprio estabelecimento. Em 1978, a filha de Wegner, Renate, assumiu a frente da panificadora e, nos anos 1980, foram feitas reformas.

Já na década de 1990, Renate viajou para a Alemanha e, de lá, trouxe novas ideias e novos produtos que poderiam ser vendidos na Wegner. “Voltei com a ideia de um café colonial, que começamos a servir em 2000”, conta.

Além da loja na avenida Primeiro de Maio, a panificadora contava com filiais nas Havans de Brusque e Florianópolis, o que fez o movimento e a produção crescerem muito. Em Brusque, era comum que ônibus de excursões e turistas parassem na padaria para conhecer o famoso café colonial. “Tínhamos clientes de fora da cidade que eram fiéis, sempre que vinham para a região, paravam na Wegner”, diz Renate.

O sistema anterior, de entregas e vendas com a caminhonete cheia de caixas de pão, foi perdendo espaço quando os bairros da cidade começaram a crescer e ter seus próprios supermercados e padarias. “Mas eu me lembro de filas na porta da Wegner, seis e meia da manhã, umas 30 pessoas todos os dias esperando para comprar pão e leite”, relembra Marcus Wegner Tromm, filho de Renate.

Renate Wegner Tromm assumiu o comando da Wegner em 1978 até 2016. | Natália Huf

As receitas da Wegner eram passadas pelas gerações da família, e conservavam a tradição que veio do padeiro Ricardo. “O carro-chefe era o pão caseiro, feito escaldado. Tinha também a Zimtkuchen, um doce que minha mãe trouxe da Alemanha, e as mais de 70 especiarias do café colonial”, diz Tromm.

A panificadora encerrou suas atividades em 2016, mas deixa saudade nos brusquenses que viveram o auge da Wegner, um marco na história culinária da cidade.

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